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O conflito entre liberdade individual e a internação compulsória de dependentes químicos

O CONFLITO ENTRE LIBERDADE INDIVIDUAL E A INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DE DEPENDENTES QUÍMICOS: INTERDISCIPLINARIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS
Lic. Kézia Alves Prone
Faculdade de Ibaiti, Brasil
kezia1999fra@outlook.com
Lic. Elisângela da Rosa Firmino
Faculdade de Ibaiti, Brasil
lis.xd@hotmail.com
Mg. Luciano Ferreira Rodrigues Filho
Faculdade de Ibaiti, Brasil
 lu_fr@yahoo.com.br
Resumo
Estudos confirmam que a produção e o hábito de usar substâncias psicoativas estão presentes durante a história da humanidade. Desse modo, nos dias atuais, pode se dizer que a dependência química passou a ser considerada um problema de saúde pública no mundo todo. Lane (2004), afirma que o dependente químico não é explicado apenas pelo uso da substância psicoativa, mas pelo conjunto de experiências interligadas e que só fazem sentido entre si. Diante dessa realidade e da complexidade do problema pode-se dizer que a dependência química é uma doença multifatorial. Há um aumento rápido do consumo, além de uma taxa de crescimento de dependentes químicos, no Brasil, que cresce em torno de 10% ao ano. Mas o que leva o indivíduo a virar dependente? E porque as classes menos favorecidas são as mais atingidas por essa problemática? Esta pesquisa tem como objetivo abordar as definições de liberdade, avaliar o que faz com que uma pessoa se torne dependente e explicar o que é a internação compulsória, para que, com isso, seja possível averiguar se o direito à liberdade individual do sujeito é superior a liberdade coletiva imposta pela vida em sociedade. Assim, o procedimento adotado pela internação compulsória é aceitável, apenas em casos excepcionais de extrema necessidade, desde que aja o devido processo legal, demonstrando que todos os meios anteriores utilizados foram ineficazes.
Palavras-Chave
Liberdade – Internação Compulsória – Dependente Químico – Drogas – Políticas Públicas
Resumen
Los estudios confirman que la producción y el hábito de usar sustancias psicoactivas están presentes durante la historia de la humanidad. De este modo, en los días actuales, puede decirse que la dependencia química pasó a ser considerada un problema de salud pública en todo el mundo. Lane (2004), afirma que el dependiente químico no es explicado sólo por el uso de la sustancia psicoactiva, sino por el conjunto de experiencias interconectadas y que sólo tienen sentido entre sí. Ante esta realidad y la complejidad del problema se puede decir que la dependencia química es una enfermedad multifactorial. Hay un aumento rápido del consumo, además de una tasa de crecimiento de dependientes químicos, en Brasil, que crece en torno al 10% al año. Pero lo que lleva al individuo a volverse dependiente? ¿Y por qué las clases menos favorecidas son las más afectadas por esta problemática? Esta investigación tiene como objetivo abordar las

definiciones de libertad, evaluar lo que hace que una persona se vuelva dependiente y explicar lo que es la internación obligatoria, para que, con ello, sea posible averiguar si el derecho a la libertad individual del sujeto es superior la libertad colectiva impuesta por la vida en sociedad. Así, el procedimiento adoptado por la internación obligatoria es aceptable, sólo en casos excepcionales de extrema necesidad, siempre que actúe el debido proceso legal, demostrando que todos los medios anteriores utilizados fueron ineficaces.
Palabras Claves
Libertad – Internación Compulsiva – Dependiente Químico – Drogas – Políticas Públicas
Introdução
Até quando o direito à liberdade individual é superior ao direito coletivo? Para uma boa convivência social é necessário que o indivíduo abra mão de uma porcentagem da sua liberdade para o bem geral da população, mas no caso dos dependentes químicos, que por vários fatores escolheram usar a droga e fizeram dela seu meio de alivio para os problemas, e por conta dessas substancias se tornaram dependentes e por isso não conseguem mais decidir sobre sua própria vida, é errado o Estado interna-los e submete- los a tratamento mesmo sem a sua vontade?
São vários os fatores que podem levar uma pessoa a usar substancias que causam dependência, e como será visto no decorrer deste artigo, existe uma parte do cérebro que é responsável pela dependência e que somente substancias que age nessa parte cerebral torna o sujeito um depende.
O direito à liberdade é garantido pela Constituição Federal de 1988 e deve ser respeitado, porém no caso do dependente há uma grande discussão em relação a se o sujeito usuário de drogas possui capacidade para ser livre e se o mesmo pode decidir sobre a sua vida. Muitos acreditam que não, o sujeito não possui capacidade para decidir, mas se todos tem o direito à liberdade, como alguém pode decidir o que uma pessoa pode fazer ou não?
Definições de liberdade
A palavra liberdade tem seu conceito definido pelo Dicionário Aurélio como: “faculdade de cada um se decidir ou agir segundo a própria determinação” (FERREIRA, 2001, p. 425). A Constituição Federal de 1988 em seu preâmbulo, inclui a liberdade como um dos valores supremos, necessários para uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceito. A mesma é garantida no Art. 5º da Constituição da República afirma que, a liberdade é direito de todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país e que a mesma é inviolável, ou seja, é aquilo que não se pode infringir. Todos têm o direito à liberdade, mas não podem decidir pelo que mais lhe convém, pois vivemos numa sociedade que é regida por leis. A sociedade precisa de liberdade, só que o direito de um não pode interferir no direito do outro.
Segundo Bruno Leoni (2018) nos mostra, as definições do que é ser livre podem variar conforme a pessoa ou o memento histórico:
Liberdade, então, como um termo que designa um princípio político geral, pode, assim, ter significados só aparentemente semelhantes em sistemas políticos diferentes. É preciso que se tenha em mente, também, que essa palavra pode ter significados diferentes e implicações diferentes em momentos diferentes da história de um mesmo sistema legal, e, o que é ainda mais impressionante, pode ter significados diferentes, ao mesmo tempo, em um mesmo sistema legal, em circunstâncias diferentes e para pessoas diferentes (s/p.). (grifos do autor).
O termo “liberdade” não possui apenas uma designação, já que o mesmo pode ter várias mudanças no sentido de significar estar livre, pois a definição é subjetiva, e vai da pessoalidade de cada um, podendo ser influenciada pela sua cultura e momento histórico em que vive.
Marilena Chauí (2000) em seu livro “Convite a Filosofia” traz diversas concepções filosóficas de liberdade, como as dos filósofos Aristóteles e Sartre, o que nos mostra que a liberdade não possui apenas uma concepção. Segundo ela, Aristóteles entendia que o sujeito livre é aquele que:
[...] tem em si mesmo o princípio para agir ou não agir, isto é, aquele que é causa interna de sua ação ou da decisão de não agir. A liberdade é concebida como o poder pleno e incondicional da vontade para determinar a si mesma ou para ser autodeterminada. É pensada, também, como ausência de constrangimentos externos e internos, isto é, como uma capacidade que não encontra obstáculos para se realizar, nem é forçada por coisa alguma para agir (CHAUÍ, 2000, p. 464).
Para Aristóteles, o ser livre é aquele que tem o domínio de suas escolhas, ele decide se irá fazer ou não determinada coisa, portanto a liberdade para Aristóteles é esse domínio que o sujeito possui de si mesmo, não necessitando de um outro para definir suas ações, ele age de forma voluntaria, sem sofrer qualquer tipo de coerção.
Já em Sartre, a autora afirma que o filosofo possuía uma concepção mais extremista. Sartre, segundo Marilena Chauí (2000), entendia que liberdade é:
[...] a escolha incondicional que o próprio homem faz de seu ser e de seu mundo. Quando julgamos estar sob o poder de forças externas mais poderosas do que nossa vontade, esse julgamento é uma decisão livre, pois outros homens, nas mesmas circunstâncias, não se curvaram nem se resignaram (p. 464).
Liberdade para Sartre, portanto, é o homem escolher o que fará com a sua vida e com o seu mundo. Para ele, quando nos submetemos a ordem de alguém é uma decisão livre, pois escolhemos nos submeter. Quando o sujeito decide se submeter a um poder que julga ser mais forte do que a sua vontade, como as leis, mesmo acreditando que ele não tem o poder de opção, e ele decide se resignar a esse poder, o sujeito está usando a sua liberdade, pois decidiu espontaneamente se submeter já que há pessoas que nas mesmas circunstancias não o fazer.
Kant, filósofo prussiano, em seu livro “A metafísica dos Costumes” define a liberdade como:
[...] um conceito racional puro e que por isto mesmo é transcendente para a filosofia teórica, ou seja, é um conceito tal que nenhum exemplo que corresponda a ele pode ser dado em qualquer experiência possível, e de cujo objeto não podemos obter qualquer conhecimento teórico: o conceito de liberdade não pode ter validade como princípio constitutivo da razão especulativa, mas unicamente como principio regulador desta e, em verdade, meramente negativo. (...) o conceito de liberdade prova sua realidade através de princípios práticos, que são leis de uma causalidade da razão pura para determinação da escolha, independentemente de quaisquer condições empíricas (da sensibilidade em geral) e revelam uma vontade pura em nós, na qual conceitos e leis morais têm sua fonte (KANT, 2003, p. 64).
A liberdade tem leis que são auto impostas, é quando o homem tem autonomia (todos os homens são autônomos), e podem legislar para si próprio. O homem quando deixam seus anseios íntimos, desejos, paixões, é que está se libertando, pois deixa a condição de animal, para condição de racional e ser social.
É necessário comentar que existe a liberdade em relação ao indivíduo, que é conhecida como “liberdade individual” e a liberdade que foi delimitada por conta de vida em sociedade, conhecida como “liberdade coletiva”.
A liberdade individual é a definição de que, o homem tem a livre escolha de seus atos a priori, esse é o conceito base. De acordo com o Filósofo Austríaco Friedrich A. Hayek (1983, p. 27) a liberdade individual é “o estado no qual o homem não está sujeito a coerção pela vontade arbitrária de outrem”, ou seja, é aquela em que o sujeito não é obrigado a fazer algo que não seja da sua vontade, não existe Estado na liberdade individual. O sujeito age conforme a sua livre vontade, sem precisar ser coagido por outra pessoa ou se submeter a vontade de um Estado. Mais além, a liberdade individual pode trazer uma ideia de tutela de direitos individuais em relação ao Estado, neste viés, podemos analisar que em um estado democrático de direito, a liberdade individual poderá ser assegurada por direitos positivados nos dispositivos legais da nação.
Já a liberdade coletiva surgiu quando o sujeito se viu obrigado a ceder uma parte da sua liberdade para poder viver em sociedade em contraponto a ideia liberdade de Kant, Descreve Cesare Beccaria (2018):
Cansados de só viver no meio de temores e de encontrar inimigos por toda parte, fatigados de uma liberdade que a incerteza de conservá-la tornava inútil, sacrificaram uma parte dela para gozar do resto com mais segurança. A soma de todas essas porções de liberdade, sacrificadas assim ao bem geral, formou a soberania da nação; e aquele que foi encarregado pelas leis do depósito das liberdades e dos cuidados da administração foi proclamado o soberano do povo (p. 9-10).
Quando o homem abriu mão de uma parte de sua liberdade para poder possuir mais segurança, formou-se a soberania da nação, onde um sujeito deve abdicar de uma parte de sua liberdade para o bem da maioria da população. Essa liberdade é conhecida também como “liberdade coletiva” aonde é necessário sacrificar para o bem maior de todos.
Com isso percebe-se que a liberdade individual não é viável porque o ser humano é social, pois o homem passou a ter que seguir determinadas regras para poder conviver em sociedade. O sujeito é sim livre, porém essa liberdade terá limites impostos por um terceiro (Estado) sendo subordinado a um instrumento de direito (lei) que detém o indivíduo de praticar determinadas ações consideradas negativas, se não quisera sofrer sanções. Assim como descreve o Art. 5º, inciso II que diz que “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei”, deixa claro que a liberdade do sujeito é inferior a qualquer lei que a limite suas vontades em virtude de lei.
O que torna um sujeito dependente
O indivíduo dependente é aquele que se torna escravo da substancia química. São pessoas que por vários fatores, como distúrbios psiquiátricos e depressão, acabam buscando nas drogas o alivio para os seus problemas, porém como a maioria dessas substâncias tem seu efeito rápido e passageiro, a pessoa acaba consumindo cada vez mais desse produto o que a torna, rapidamente, um submisso das drogas. Carl Hart, em uma entrevista à revista Época, diz:
Elas se entregam por ter distúrbios psiquiátricos, podem ser depressivas, ansiosas, esquizofrênicas. Por ter alguma doença mental que as leva às drogas como tentativa de lidar com isso. Essa é uma possibilidade. Outros podem ser viciados por não ter opções melhores na vida. Para eles, o uso de drogas parece a melhor opção (MOURA, 2018, s/p.).
Para algumas pessoas, o uso da droga é o único meio de se livrar dos seus problemas diários. Em muitos casos, o dependente químico sofre de algum mal, que o faz consumir tal produto químico buscando uma forma de se distanciar dos problemas, dos medos e responsabilidades decorrentes da vida. Como dito acima, muitos desses usuários acabam fazendo uso dessas substâncias por acreditarem não serem capazes de alcançar uma qualidade de vida melhor do que aquela que vivencia.
Em uma entrevista ao Doutor Dráuzio Varella, Ronaldo Laranjeira, psiquiatra, comenta sobre a área cerebral responsável pela dependência:
Acho importante destacar que existe, no cérebro, uma área responsável pelo prazer. O prazer, que sentimos ao comer, fazer sexo ou ao expor o corpo ao calor do sol, é integrado numa área cerebral chamada sistema de recompensa. Esse sistema foi relevante para a sobrevivência da espécie. Quando os animais sentiam prazer na atividade sexual, a tendência era repeti-la (VARELLA, 2018, s/p.).
A área do cérebro responsável pelo prazer é conhecida como sistema de recompensa, essa região integra as sensações prazerosas, como a que sentimos ao comer, e é essa a área responsável pela dependência, pois é nela que acontece a ação química de diversas drogas, afirma Ronaldo Laranjeira (2018):
[...] evolutivamente, criamos essa área de recompensa e é nela que a ação química de diversas drogas interfere. Apesar de cada uma possuir mecanismo de ação e efeitos diferentes, a proposta final é a mesma, não importa se tenha vindo do cigarro, álcool, maconha, cocaína ou heroína. Por isso, só produzem dependência as drogas que de algum modo atuam nessa área (s/p.).
Só causa dependência os entorpecentes que causam a sensação de prazer. Independentemente de ser cigarro ou crack apenas os que, de algum modo, operam no sistema de recompensa, aquela que criamos conforme evoluímos, transforma o indivíduo em dependente
O indivíduo dependente tem a droga como prioridade em sua vida, deixando para segundo plano qualquer outra coisa que não lhe traga prazer imediato a “atenção do dependente se volta para o prazer imediato propiciado pelo uso da droga, fazendo com que percam significado todas as outras fontes de prazer” (LARANJEIRA, 2018, s/p.).
Dependência química
A dependência química trata-se de uma condição humana predominantemente complexa, que já foi compreendida e observada de maneiras e sentidos diferentes, os fatores que a envolvem são diversos, desde psicológico, socioeconômico até mesmo genético.
Conforme o Cadastro Internacional de Doenças (CID-11), a Síndrome de Dependência (F19.2) é:
Conjunto de fenômenos comportamentais, cognitivos e fisiológicos que se desenvolvem após repetido consumo de uma substância psicoativa, tipicamente associado ao desejo poderoso de tomar a droga, à dificuldade de controlar o consumo, à utilização persistente apesar das suas consequências nefastas, a uma maior prioridade dada ao uso da droga em detrimento de outras atividades e obrigações, a um aumento da tolerância pela droga e por vezes, a um estado de abstinência física. A síndrome de dependência pode dizer respeito a uma substância psicoativa específica (por exemplo, o fumo, o álcool ou o diazepam), a uma categoria de substâncias psicoativas (por exemplo, substâncias opiáceas) ou a um conjunto mais vasto de substâncias farmacologicamente diferentes (DATASUS, 2018, s/p.).
A dependência química causa mudanças drásticas na vida do indivíduo, na interação com seus familiares, afetando seu convívio com a sociedade e até mesmo profissional. Para estes indivíduos, a droga passa a exercer o papel central em suas vidas, preenchendo lacunas importantes. Romper esse ciclo de dependência é extremamente difícil, pois o dependente vive um sofrimento psicológico e físico constantemente.
Os efeitos ocasionados pela dependência podem ser difusos, dentre eles: Alcoolismo crônico, Dipsomania e Toxicomania. De acordo com Drauzio Varella (2018), podemos definir esses três itens como:
a) O alcoolismo crônico trata-se de uma doença, com aspectos socioeconômicos e comportamentais, se caracteriza pelo consumo compulsivo de álcool, no qual o usuário se torna progressivamente tolerante a intoxicação que a droga produz, desenvolvendo sintomas e sinais de abstinência, mesmo quando se é retirado do usuário;
b) A dipsomania é caracterizada pela necessidade incontrolável de ingerir bebida alcoólica, diferente do que acontecem com o alcoolismo, os pacientes em geral não se tornam dependentes do álcool e o impulso não é frequente, porém, quando surge à vontade, pode levar a pessoa a beber durante vários dias seguidos;
c) A toxicomania deriva de duas palavras gregas: toxikon (veneno) e mania (loucura). Portanto pode-se definir toxicomania como sendo a mania de consumir uma ou mais substâncias químicas e tóxicas. Em um sentido mais abrangente podemos definir a toxicomania como um distúrbio do qual o indivíduo sente uma vontade avassaladora de consumir drogas (cocaína, êxtase, afentamina, etc.) e outras substâncias químicas como o álcool e o cigarro, tornando-se dependente químico, uma vez que precisa de doses progressivamente maiores para suprir suas necessidades. Para a Organização Mundial de Saúde (1997) a dependência química pode ser definida como:
[...] um estado psíquico e físico que sempre incluem uma compulsão de modo contínuo ou periódico, podendo causar várias doenças crônicas físico-psíquicas, com sérios distúrbios de comportamento. Pode também, ser resultado de fatores biológicos, genéticos, psicossociais, ambientais e culturais, considerada hoje como uma epidemia social, pois atinge toda gama da sociedade, desde a classe social mais elevada a mais baixa (s/p.).
Sendo assim, a dependência química atinge indivíduos de classes sociais diversas, que fazem uso constante de determinadas substancia, sendo que o portador deste distúrbio se deteriora não conseguindo conter o vício.
Tais substâncias atuam no Sistema Nervoso Central, alterando a forma de o indivíduo agir, pensar e sentir, sendo denominadas drogas psicoativas que tendem a causar um desequilíbrio no metabolismo químico do organismo, levando o indivíduo a um quadro de dependência.
Tal quadro pode levar a outro fator conhecido como “tolerância à droga”, que se caracteriza por fazer o dependente a consumir doses cada vez maiores, com o intuito de obter os mesmos sintomas que as doses que antes eram menores promoviam.
A tolerância reduz o grau de euforia experimentado no passado, aprofunda a apatia motivacional na vida diária e leva ao aumento progressivo das doses e às mortes por overdose. Já os sintomas de desconforto e mal-estar criados pela interrupção da droga são conhecidos como “Síndrome da Abstinência”, definida como “um conjunto de sinais e sintomas de instalação e duração previsíveis, que envolve sintomas psicológicos e orgânicos previamente ausentes à suspensão da droga e que desaparecem depois que ela foi reiniciada” (VARELLA, 2018, s/p.).
Insta salientar, que uma vez que se torna um dependente químico, será permanentemente um dependente, tal doença apresentar um caráter crônico, progressivo e incurável, o indivíduo irá necessitar de tratamento constante, independente se está ou não a fazer uso da droga.
Dependência química como doença para critérios médicos
De acordo com a OMS, a definição para droga é:
Toda a substância que introduzida no organismo vivo modifica uma ou mais das suas funções. Esta definição engloba substâncias ditas lícitas - bebidas alcoólicas, tabaco e certos medicamentos – e, igualmente, as substâncias ilícitas como a cocaína, LSD, ecstasy, opiáceos, entre outras (CAETANO, 2018, p. 3).
Pode-se afirmar que droga é toda e qualquer substancia não produzida pelo organismo capaz de causar algum tipo de alteração no seu funcionamento. Afins de critérios médicos, a dependência química é vista como doença.
Existem dois códigos internacionais em vigência. A publicação da OMS, conhecida como Classificação Internacional de Doenças (CID), está em sua décima primeira edição (CID 11), já o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), está em sua quinta edição (DSM-V). A classificação aceita pelo Ministério Público de Saúde, no Brasil, é o CID-11.
De acordo com a Classificação de Drogas os critérios para diagnosticar a dependência química são:
- Tolerância: redução da magnitude dos efeitos que leva ao uso de doses cada vez maiores para atingir o efeito desejado;
- Senso de compulsão: forte desejo de consumir a droga;
- Abstinência: após interrupção ou diminuição do uso, surgem sintomas de desconfortos, como os mencionados acima;
- Desejo de reduzir ou controlar o consumo, porém, sem sucesso;
- Abandono de atividades cotidianas: maior parte do tempo gasto em prol do uso da substancia;
- Persistência ao uso: mesmo sofrendo de manifestações nocivas e patológicas, como danos em órgãos e estados de depressão, que resultam no consumo crônico e excessivo, ainda mantém o consumo.
Desta forma, há uma busca pelo indivíduo de forma incessante a referida substancia, e descarta todo e qualquer dano provocado pelo uso para com sua própria saúde.
Existem três tipos de drogas, de acordo com Silveira (2001, p.7), que levam o individuo a dependência:
1) Drogas que atenuam a atividade cerebral ou opressora, destacando-se entre elas os ansiolíticos, álcool e narcóticos;
2) Drogas que estimulam a atividade cerebral, tais como cafeína, anfetamina, cocaína e crack;
3) Drogas que alteram a percepção, que possuem substanciam alucinógenas em sua composição, entre os mais populares estão o LSD, ecstasy e a maconha.
De acordo com a pesquisa feita pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) pelo menos 28 milhões de pessoas no Brasil possui algum familiar que é dependente químico, um número bastante significativo e alarmante.
Já se tornou fato notório que a cada dia cresce o consumo de substancias químicas de forma descontrolada, o que já o torna uma questão de saúde pública.
Segunda o II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas, elaborado pelo Instituto Nacional de Ciências e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e outras Drogas (LARANJEIRA, 2014), apresenta as prevalências de diferentes drogas ilícitas na população brasileira.
A pesquisa foi elaborada através de bloco de questões respondidas via autopreenchimento, após seu preenchimento, o bloco era coloca em um envelope disponibilizado pelo entrevistador, no qual era lacrado, para manter a total discrição nas repostas apresentadas.
Tabela 1 - Proporção de indivíduos que utilizaram determinada substâncias alguma vez na vida (2012)
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Fonte: Laranjeira (2014).
Conforme o estudo realizado:
a) Maconha: a substância ilícita com maior prevalência de uso na população brasileira é a maconha. Do total da população adulta, 5,8% declarou já ter usado a substância alguma vez na vida – ou seja, 7,8 milhões de brasileiros adultos já usaram maconha pelo menos uma vez na vida. Entre os adolescentes esse número é de 597 mil indivíduos (4,3%) dentre quase 14 milhões de adolescentes brasileiros. Analisando o uso nos últimos 12 meses, 2,5% dos brasileiros adultos declaram ter usado e 3,4% dos adolescentes – representando mais de 3 milhões de adultos e 478 mil adolescentes em todo país.
b) Cocaína: a prevalência uso da cocaína uma vez na vida pela população adulta observada é de 3,8%, representando cerca de 5 milhões de brasileiros com 18 anos ou mais, sendo que a Prevalência do uso de cocaína nos últimos 12 meses na população adulta observada é de 1,7% - representando mais de 2 milhões de brasileiros. No caso dos adolescentes, 2,3% dos adolescentes declararam ter utilizado pelo menos uma vez na vida cocaína e 1,6% deles declararam ter utilizado nos últimos 12 meses – representando cerca de 225 mil adolescentes em todo país.
c) Tranquilizantes: o estudo levantou ainda que 9,6% da população com 18 anos ou mais já utilizou pelo menos uma vez na vida tranquilizantes, observa-se que dentre as substâncias estudas, o tranquilizante é o mais consumido entre a população adulta nos os últimos 12 meses, representando aproximadamente 8 milhões de usuários no último ano em todo país. As Prevalências de uso de tranquilizantes entre adolescentes são consideravelmente menores que as observadas entre adultos, mas ainda assim expressiva – 2,5% dos adolescentes declararam já ter utilizado tranquilizantes na vida e 1,4% utilizou nos últimos 12 meses (população de aproximadamente 198 mil adolescentes).
d) Estimulantes: estimulantes aparecem como a substância com a quarta maior prevalência entre adolescentes, apenas atrás de maconha, cocaína e solventes (como cola de sapateiro, por exemplo). A Prevalência do uso de estimulantes é de 1,3% alguma vez na vida e 0,9% nos últimos 12 meses. Entre adultos a prevalência dessa mesma substância é de 2,7% alguma vez na vida e de 1,1% nos últimos 12 meses – representando quase 1,5 milhões de brasileiros com 18 anos ou mais.
e) Crack: o estudo revela que a prevalência do uso de crack nos últimos 12 meses na população adulta brasileira é de 0,7% - representando mais de 800 mil brasileiros. Vale destacar que por ser um estudo probabilístico domiciliar, a população de rua não está contemplada na amostra, nesse sentido, a prevalência reflete a população de brasileiro que não vive em situação de rua. Já a prevalência do ou de crack alguma vez na vida observado foi de 1,3% - representando mais de 1,7 milhões de brasileiros, vale relembrar que as projeções apresentadas levaram em consideração os pesos relativos dos indivíduos na amostra. Entre adolescentes (jovens de 14 a 17 anos) a Prevalência do uso de crack na vida e nos últimos 12 meses observadas foram de respectivamente 0,8% e 0,1%
Embora a sociedade brasileira esteja ciente que esta problemática já se tornou problema de saúde pública, a um avanço anualmente do uso de substancias psicoativas, e o conhecimento da população (ou o “fechamento dos olhos” diante o problema), sobre os padrões de consumo, da dependência e até mesmo os problemas associados ao uso, não são discutidos com frequência ou ignorados.
Falácias sobre as drogas e as políticas públicas ao dependênte químico
Em sua visita ao Brasil e as “Cracolândias” brasileiras Carl Hart (2015) definiu sua experiência:
No entanto, o que podia ser notado de modo mais evidente era a pobreza extrema e generalizada. Um grande número de pessoas vivia em barracos de madeira mal construídos, desprovidos de serviços básicos e cercados por pilhas de lixo. Parecia que o governo local não havia removido o lixo em algumas dessas comunidades por meses. Fui criado em um conjunto habitacional e ainda assim fiquei totalmente chocado e perturbado com essas condições. No entanto, tentei não demonstrar minha consternação, pois estava feliz por estar ali com as pessoas. Eles eram extremamente calorosos e acolhedores. Os supostos usuários de drogas e traficantes estavam ansiosos para compartilhar suas histórias comigo. Algumas pessoas me contaram histórias de que tiveram seus companheiros detidos pela polícia por suspeita de tráfico de drogas e que nunca mais eles foram vistos vivos novamente. Outras expuseram de maneira perspicaz sobre as motivações que contribuíam para perpetuar as condições horríveis nas quais elas vivem. Além disso, os moradores estavam conscientes de que a pobreza generalizada, baixa educação, alto desemprego e violência castigavam suas comunidades muito antes do aparecimento do crack, há menos de uma década atrás (p. 3).
Em seu artigo, Carl Hart chegou à conclusão de que o termo “guerra contra as drogas” não existe, existe uma má gestão do governo, que utiliza desde termo para mascarar sua falta de recursos para amparar a população, seja na educação, saúde, serviços básicos, entre outros.
A maioria dos relatos dos usuários se dá pela falta de oportunidade e amparo do governo com princípios e garantias que por direito são dos cidadãos, não há como se esperar que alguém que vive em um nível de pobreza extrema, desprovido dos serviços básicos consiga fugir de tudo isso e ter uma vida diferente, a casos que se encaixam neste contexto, mas, infelizmente são raros.
Para tentar corrigir seus erros com a população, o governo investe em propagandas pesadas antidrogas, as culpando pela maioria dos problemas em nosso país, deixando de lado os verdadeiros motivos que levam os cidadãos muitas vezes a se tornarem usuários (o que para muitos é uma forma de fugir de uma triste realidade que lhe é imposta).
A realidade que acerca o usuário, é que normalmente eles ficam à mercê da própria sorte, os poucos que restam se adultos, serão absorvidos pelo sistema presidiários, se adolescente estão em constante conflito com a lei, onde acabam em centros educacionais, destinados ao cumprimento das medidas socioeducativas. E é visível a maneira que o Estado e também a sociedade vem encarando o problema, que associado a mais fatores, sempre termina em dois destinos para o dependente: morte ou cadeia.
Desde modo, é necessário uma implementação de políticas públicas preventivas, sendo esta a melhor forma de conter a minimizar o avanço crescente de usuários, e as consequências que ele traz para si e a sociedade, tornando como prioridade há evitar que o individuo se torne usuário, lhe mostrando outra realidade, onde há acesso à educação, saúde, serviços básicos, entre outros.
É certo que não existe um sistema totalmente eficiente e preventivo que possa abolir por completo o consumo das drogas, até mesmo os países mais ricos de primeiro mundo lutam contra essa problemática, o uso das drogas, assim como a pobreza acompanham a humanidade desde sua existência, o mais perfeito sistema de prevenção não irá impedir que alguns se tornem dependentes químicos.
No Brasil, há o fato de estarmos em um país em meio ao desenvolvimento, tendo graves problemas sociais a serem resolvidos, tendo um orçamento público insuficiente e escasso para atender a todas as necessidades e comandado por maus gestores.
            Conforme diz Odailson da Silva (2013):
O que se observa no Brasil é o crescimento em progressão geométrica e avassaladora do consumo de drogas de alto potencial de desenvolvimento de dependência química, especialmente a cocaína, seja na forma de pó ou pedra (crack) que cada vez mais são acessíveis às camadas mais pobres e populares. Diante disso, devemos buscar a resposta sobre o que fazer com essas pessoas. Não podemos esquecê-las, largá-las à própria sorte. Devemos estar atentos, e ter a sensibilidade de ver se estamos tratando o problema de forma correta e usando todos os meios disponíveis (p. 23).
É claro, que necessitamos cuidar do indivíduo que se torna usuário, utilizando de todas as ferramentas para ajuda-lo, mas, é nítido que é preciso fornecer o necessário para evitar que o menor número possível de indivíduos chegue a se tornar o usuário de amanhã.
Legislação brasileira sobre drogas
O Brasil deu início a uma política nacional especifica sobre a redução de demanda e da oferta de drogas em 1998, após a realização da 20° Assembleia Geral Especial das Nações Unidas, no qual discutiram a redução da demanda de drogas e as primeiras medidas começaram a ser tomadas. O então Conselho Federal de Entorpecentes (CONFED) transformou-se no Conselho Nacional Antidrogas (CONAD) e foi criada a Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD).
Em 2002, foi constituída a Política Nacional Antidrogas (PNAD), que contemplava três pontos principais: 1) A integração das políticas públicas com a política Nacional Antidrogas, visando ampliar o alcance das ações; 2) A descentralização das ações em nível municipal, permitindo a condução local das atividades de redução de demanda, devidamente adaptada em cada município; e 3) O estreitamento das relações com a sociedade e com a comunidade cientifica.
Durante os primeiros anos de existência o PNAD manteve sempre discussão a necessidade de um aprofundamento do assunto, procurando se atualizar, levando em conta as transformações econômicas, políticas e sociais. Essas transformações só vieram a ocorrer no ano de 2004, estruturada em dados epidemiológicos atualizados e cientificamente aprovados, o PNAD passou então a ser chamada de Política Nacional “sobre” Drogas.
            Conforme Paulina do Carmo Arruda Vieira Duarte e Carla Dalbosco (2018):
A Política Nacional sobre Drogas estabelece os fundamentos, os objetivos, as diretrizes e as estratégias indispensáveis para que os esforços voltados para a redução da demanda e da oferta de drogas possam ser conduzidos de forma planejada e articulada. Todo esse empenho resultou em amplas e importantes conquistas, refletindo transformações históricas na abordagem da questão das drogas (s/p.).
A Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD), que versa sobre a política pública brasileira sobre drogas, no ano de 2006, coordenou um grupo de governo que auxiliou os parlamentares na aprovação da Lei de Drogas n° 11.343/2006, que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD), que prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas, estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas, define crimes e dá outras providências.
Tal lei, a partir de sua edição, revogou dois instrumentos normativos que anteriormente existiam: a Lei n° 6.368/76 de 21 de outubro de 1976, que trata sobre medidas de prevenção e repressão ao tráfico ilícito e uso de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica e a Lei n° 10.409/2002, de 11 de Janeiro de 2002 que dispõe sobre a prevenção, o tratamento, a fiscalização, o controle e a repressão à produção, ao uso e ao tráfico ilícito de produtos, substancias ou drogas ilícitas que causam dependência física ou psíquica. A nova lei de drogas reconheceu as diferenças que a entre o traficante e o usuário, que passaram a ser ocupados por diferentes capítulos da lei.
A atenção ao usuário/dependente deve ser voltada ao oferecimento de oportunidade de reflexão sobre o próprio consumo, ao invés de encarceramento.
Nesse sentido, entendeu-se que os dependentes/usuários não devem ser penalizados pela Justiça com a privação de liberdade de imediato, podendo ser substituída pela justiça restaurativa, tendo como maior objetivo a ressocialização.
Segundo o artigo 28, da Lei 11.343/2006, temos as seguintes penas aplicadas aos usuários de drogas: I – advertência sobre os efeitos das drogas; II – prestação de serviços à comunidade; III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Para Andrey Borges de Mendonça e Paulo Roberto Galvão de Carvalho (2013) a advertência é uma inovação, constituindo no ato do juiz esclarecer ao agente os malefícios que as drogas podem trazer, não a sua saúde particular, mas também a da sociedade em geral. O magistrado pode ainda valer-se de diferentes profissionais, tais como, psicólogos, médicos, assistentes sociais etc., para eventual auxílio.
As prestações de serviços à comunidade são de uma hora de tarefa por dia, conforme o Art. 46, § 3° do Código Penal, o local que será realizado a prestação de serviços será estabelecido pelo juiz de execuções, observando o Art. 28, § 5° da Lei 11.343/06:
§ 5o A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas(BRASIL, 2006a, s/p.).
Quanto às medidas educativas de comparecimento a programas ou cursos educativos, caberá ao juiz fixá-las, bem como as frequências a serem feitas.
Tais medidas podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo, ouvidos o Ministério Público e o defensor, conforme descrito no Art. 27 da referida Lei, e o seu não cumprimento ou recusa do agente, caberá, admoestação verbal e multa, conforme Art. § 6°, inciso I e II.
O Sistema Nacional de Política sobre Drogas é regulamentado pelo decreto n° 5.912, de 27 de Setembro de 2006, que tem por objetivo:
Art. 1o O Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - SISNAD, instituído pela Lei no 11.343, de 23 de agosto de 2006, tem por finalidade articular, integrar, organizar e coordenar as atividades relacionadas com:
I - a prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; e
II - a repressão da produção não autorizada e do tráfico ilícito de drogas (BRASIL, 2006, s/p.).
Desse modo, o SISNAD vem por contribuir com a inclusão social do cidadão, promover a socialização do conhecimento sobre drogas no país, promover integração com a prevenção de uso, atenção e reinserção social do usuário, reprimir a produção não autorizada e o tráfico ilícito de drogas.
Com a regulamentação do SISNAD, foi reestruturado o Conselho Nacional Antidrogas (CONAD), que em 23 de julho de 2008, a partir da Lei n° 11.754 (BRASIL, 2008), passou a ser chamado Conselho Nacional de Política “sobre” Droga, a referida lei também veio por alterar o nome da Secretaria Nacional Antidrogas, para Secretaria Nacional Sobre Drogas (SENAD).
            As atribuições do CONAD sobre as drogas são:
Art. 4 - Compete ao CONAD:
I – acompanhar e atualizar a política nacional sobre drogas, consolidada pela SENAD;
II - exercer orientação normativa sobre as atividades previstas no art.1º;
III - acompanhar e avaliar a gestão dos recursos do Fundo Nacional Antidrogas - FUNAD e o desempenho dos planos e programas da política nacional sobre drogas;
IV - propor alterações em seu Regimento Interno; e
V - promover a integração ao SISNAD dos órgãos e entidades congêneres dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal (BRASIL, 2006, s/p.).
O Decreto n° 5.912/2006 (BRASIL, 2006b), com as alterações introduzidas pelo Decreto n° 7.426/2010, regulamentou ainda, as competências dos órgãos do poder Executivo no que se refere às ações de redução da demanda de drogas.
As atribuições ao SENAD sobre as drogas são de consolidar propostas de atualização da Política Nacional sobre Drogas (PNAD), definindo estratégias e elaborar planos, programas e procedimentos para alcançar as metas e propostas na PNAD, e acompanhar sua execução.
A internação compulsória
A internação compulsória está prevista na Lei 10.216, de 6 de abril de 2001 (BRASIL, 2001). Essa lei, em seu Art. 6.º distingue cada tipo de internação psiquiátrica:
<![if !vml]><![endif]>Art. 6º - A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos.
Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica:
I – internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário;
II – internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e
III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.
<![if !vml]><![endif]>O Art. 6o, inciso III, deixa claro que a internação compulsória é determinada pela justiça, portanto, não é necessário a autorização de familiares ou do próprio dependente, apenas o laudo médico que conste que o viciado é incapaz de decidir sobre suas escolhas e a autorização de um juiz competente é o suficiente para que tal internação seja determinada. Essa ausência de pedido de terceiros diferencia a internação compulsória da internação involuntária que também é sem o consentimento do usuário, porém necessita de um pedido de terceiros, geralmente familiares.
<![if !vml]><![endif]>O Art. 9.o da mesma lei, discorre sobre como a internação compulsória é determinada e quais são os critérios usados para a sua determinação “a internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente, pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários” (BRASIL, 2001, s/p.).
Para que a internação compulsória seja realizada é necessário um “laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos” (BRASIL, 2001, s/p.), ou seja, ela só é realizada quando for provado os motivos levados para considerar que essa internação será o melhor para o sujeito. Caso ele não queira a internação, mas seja constatado que não possui domínio sobre sua condição psicológica e física no momento, inclusive com risco à própria vida, um juiz pode determinar a internação nessas condições.
Para Ronaldo Laranjeira, a internação é somente uma parte do tratamento, assim como ele afirma em uma entrevista ao Pedro Leão para o Jornal da Record News:
Depois da pessoa estabilizar, desintoxicar, a gente tem que capacitar essa pessoa a recuperar a autonomia. Se ela não tiver família, vai ter que viver em algum tipo de ambiente, ela vai ter que voltar a ter autonomia de trabalho, conseguir viver a suas próprias custas (Jornal R7, 2018, s/p.).
A internação é apenas um pedaço do processo de tratamento, já que após a internação é importante que a pessoa possa conseguir se estabilizar novamente, para dessa forma conseguir se reintegrar na sociedade, pois se o sujeito dependente não conseguir se reintegrar, as chances dele voltar para o mundo das drogas são muito altas. Como já dito, as pessoas que usam drogas buscam na mesma a solução para os seus problemas, e por muitas vezes não possuírem condições de buscar uma vida melhor, portanto, é de grande importância o apoio e auxílio aos ex-usuários para que as chances de uma recaída sejam a menor possível.
Existem pessoas que dizem que a internação compulsória viola o direito da liberdade individual, pois a pessoa é submetida a um tratamento ao qual não estava disposto a fazer uso, e outras que dizem que não viola, pois, o sujeito já perdeu a sua capacidade de decisão, e por conta dessa incapacidade é necessário que o Estado intervenha para protegê-lo de si mesmo. Essa intervenção do Estado na liberdade do individuo para assegurar-lhe seu bem-estar é conhecida como intervenção paternalista, assim, como afirma Eduardo Godinho (2012):
Quando a liberdade do indivíduo é limitada com a mera finalidade de protegê-lo de suas próprias ações ou com o propósito de proporciona-lhe bem-estar, estamos diante de uma intervenção de caráter paternalista: um tipo de intervenção que, em alguns casos. [...] parece tratar as pessoas como menos capazes do que realmente são (p. 17).
As vezes há a necessidade de uma intervenção na liberdade do indivíduo, no caso do depende químico é necessário avaliar que em certas ocasiões esse sujeito já não consegue decidir sobre suas ações ou emoções e, por conta da dependência, acabam ferindo sua própria saúde e colocando sua vida em risco, e é nesse momento que o Estado intervém e limita a liberdade desse dependente, para que o mesmo não faça algo prejudicial a si mesmo, ou para garantir uma melhor qualidade de vida para esse indivíduo.
O grande conflito entre a internação compulsória vai partir da premissa de qual dos direitos em relação ao efeito da liberdade, individual ou coletiva, vai se sobressair em relação ao indivíduo que está necessitado de tratamento para dependência química. Segundo o caput Art. 4º do Código Civil que trata sobre os incapazes “São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer” tem em seu inciso II o dependente de substancia química classificado como incapaz “os ébrios habituais e os viciados em tóxico”47 sendo assim, segundo o Código Civil e a Lei 10.216 o dependente químico é incapaz, então ele não é apto a tomar suas próprias decisões e necessita que um terceiro tome por eles. Portanto, no caso do dependente químico que não deseja se internar por livre vontade, a liberdade individual pode ser violada, pois ele necessita de tratamento para poder se reintegrar na sociedade.
Conclusão
A liberdade é algo que sempre buscamos e o grande conflito que existe na vida, é limita-la. E como pressuposto, viver em uma sociedade, buscamos manter algo que não prejudique a nós e nem ao outrem. Por isso, por mais que o sujeito seja instigado a buscar a liberdade individual, devemos utilizar a liberdade assim como Kant nos ensina, aquela em que o homem só é livre quando existem normas que regulam e harmonizam a sua interação com os demais indivíduos da sociedade
Como pode ser afirmado, o tema sobre a internação psiquiátrica, em especial a internação compulsória, é um assunto atual que gera discussões e debates com diferentes posições de pensamento.
O objetivo traçado foi de demonstrar o processo de internação compulsória sobre a Lei 10.216/2001, e como isso reflete em nosso meio social.
Foi mostrado como à necessidade de melhoramento em nossas políticas públicas, no qual as classes mais pobres é que sofrem com o “problema das drogas”. E que mais do que criar programas para ajudar o usuário, o estado precisa investir no indivíduo para que não chegue a se tornar usuário.
Verificam-se que a Internação compulsória causa conflito entre especialistas sendo que alguns entendem ser uma medida que além de afrontar o direito constitucional de ir e vir do cidadão funciona como limpeza urbana. Mas aborda a internação compulsória como tratamento dos dependentes químicos e o papel importante da família, estado e sociedade, sendo que somente a somatória de esforços desses entes será capaz de amenizar o problema do uso indiscriminado de drogas instalado em nosso país.
Por fim, o procedimento adotado pela internação compulsória é aceitável, apenas em casos excepcionais de extrema necessidade, desde que aja o devido processo legal, demonstrando que todos os meios anteriores utilizados foram ineficazes.
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Brasil. Lei no 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Brasília: Casa Civil, 2006a.
Brasil. Decreto nº 5.912, de 27 de setembro de 2006. Regulamenta a Lei no 11.343, de 23 de agosto de 2006, que trata das políticas públicas sobre drogas e da instituição do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - SISNAD, e dá outras providências.. Brasília: Casa Civil, 2006b.
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